“Frankenstein” na Netflix: Guillermo del Toro preparou algumas surpresas.

"Você é o monstro", foram as últimas palavras de William Frankenstein para seu irmão Victor. Era o dia em que o jovem deveria se casar com sua amada Elizabeth, que agora jazia moribunda, assim como ele próprio, sentado no chão, à beira da morte.

Seu irmão mais velho, Victor, cujo tiro atingiu Elisabeth acidentalmente, culpou mais uma vez a criatura que criou anos antes pela morte de alguém. Enquanto isso, lá fora, na neve, a noiva de William, em seus momentos finais, jura "amor" à criatura que amava — uma palavra que esse ser jamais ouvira antes.

"Frankenstein" está de volta. Um dos clássicos da literatura fantástica, escrito por Mary Shelley, então com 19 anos, em 1816, quando ela e seu grupo de viajantes foram impedidos de fazer qualquer excursão devido às chuvas incessantes no Lago de Genebra. O conto arrepiante, que também é ficção científica – mas acima de tudo uma tragédia – foi escrito durante o "Ano Sem Verão" (devido a uma erupção vulcânica na Indonésia).

Guillermo del Toro, mestre mexicano do fantástico ("O Labirinto do Fauno"), apresenta mais um filme de "Frankenstein". A primeira versão para o cinema data de 1910, e a última notável foi a de Kenneth Branagh, de 1994. Nesse meio tempo, houve inúmeras adaptações.

Boris Karloff deu à criatura seu rosto icônico a partir de 1931, que é sempre retratado como verde porque a pele de Karloff no filme em preto e branco recebeu a tonalidade pálida apropriada através de maquiagem verde.

Del Toro enfatizou o drama entre pai e filho. Movido pelo desejo egoísta de vingança por uma ofensa percebida – sua mãe morreu ao dar à luz seu irmão – e pela arrogância científica, o cirurgião obsessivo Victor Frankenstein trabalha na criação de um "novo Adão".

Os estudiosos de sua profissão suspeitam de charlatanismo, mesmo quando seu primeiro modelo pega uma maçã atirada espontaneamente com a mão morta durante uma audiência. "Isso é ímpio", exclama um professor. "E se Deus for incapaz?", rebate Frankenstein.

E, mais uma vez, acompanhamos a obra de Frankenstein, seu grande e grosseiro "filho", essa tábula rasa, em sua jornada de autodescoberta. Ele demonstra a bondade fundamental da humanidade, buscando constantemente a convivência, sendo prestativo e trabalhador. Mas, por ser diferente dos outros, é expulso, espancado e até mesmo alvejado assim que se revela.

Porque, do ponto de vista da cirurgia plástica, Victor Frankenstein foi um completo desastre em seu papel como Deus. Como se isso não bastasse, ele também fracassa na vida familiar. Ele leva sua própria experiência de rejeição e violência nas mãos do pai (Charles Dance) ao extremo em suas interações com seu "filho" remendado.

Ofendido pelas supostas deficiências intelectuais de seu filho, ele tenta assassinar o "filho", sem perceber que, apesar de sua enorme estatura, a criança ainda é um bebê.

Jacob Elordi interpreta a criatura. O atraente australiano alcançou o estrelato desde seu papel como o tóxico Nate Jacobs na série da HBO "Euphoria" e provavelmente atrairá um público jovem para o filme de Guillermo del Toro. A simpatia do público será ainda mais provável pela criatura, já que o rosto enigmático de Elordi revela traços sensuais. Oscar Isaac interpreta Frankenstein como uma figura autopiedosa e odiosa que não sente responsabilidade por ninguém e chega a tentar roubar a noiva de seu irmão (Felix Kammerer).

Seria interessante ter visto mais da filantropa e pacifista Elizabeth, interpretada por Mia Goth, uma defensora do progresso social genuíno. Christoph Waltz, no papel de seu tio riquíssimo, Heinrich Harlander, está ali apenas para dar plausibilidade à base financeira das engenhocas de Frankenstein.

Foi dada grande ênfase aos figurinos e cenários. A antiga torre onde Frankenstein aguarda a tempestade perfeita é um monstro de pedra, negra e com um olhar penetrante como o de Orthanc, de Saruman, nos filmes de "O Senhor dos Anéis". Com suas grandes janelas redondas, o enorme relevo da Medusa na parede e os líquens e gavinhas que simbolizam o poder destrutivo da natureza, ela parece saída de um pesadelo vitoriano.

Tudo aqui é visualmente belo e sombrio. Mas o filme, em sua predileção por imagens, também parece um pouco rígido. E o final conciliatório oferecido pelo diretor parece forçado. Perdão em vez de futilidade. Um beijo na testa do pai no Oceano Ártico, onde a perseguição termina em um navio de três mastros congelado no gelo.

Tudo o que você precisa é amor? Depois de tudo o que aconteceu? E então, um empurrãozinho para o navio que está deslizando para fora do gelo em direção ao mar – a criatura não só tem poderes de autocura, como também é tão forte quanto o Super-Homem. O que Mary Shelley diria sobre isso? Onde está a tragédia nisso?

Há trinta e um anos, duas frases do personagem de Robert De Niro foram suficientes para Kenneth Branagh transmitir toda a miséria dessa criança não amada ao público. "Ele era meu pai."

E: “Ele nunca me disse um nome.”

"Frankenstein", filme, 151 minutos, dirigido por Guillermo del Toro, com Jacob Elordi, Oscar Isaac, Mia Goth, Felix Kammerer, Christoph Waltz, Charles Dance, Ralph Ineson, David Bradley, Lars Mikkelsen, Lauren Collins, Netflix, disponível para streaming agora.